segunda-feira, 13 de julho de 2009

Olhar Familiar: Acerto de Contas com o Tempo

segundo ARMANDO FREITAS FILHO: Há prenúncios de Lar, no meu primeiro livro. Em Palavra, de 1963, a primeira parte, “Infância”, e logo depois o poema “Casa”, indicam isto. Por todos os outros livros, a presença da casa, do recanto (nome de um poema do meu segundo livro) familiar, do pai, da mãe, do filho, da mulher está presente, algumas vezes em primeiro plano. O que acontece agora é que o que era “de relance” se fixou (na medida do possível), em lances de memória e cotidiano, de hoje e de nunca mais, que são apresentados em close up. Por isso mesmo, com maior intimidade e permanência, numa série de cronologia acidentada, mais analógica do que lógica, digamos assim, bem de acordo com o gênero que a retrata. Poderia dizer, também, que os poros estão à mostra, isentos de distância ou maquiagem.

Os poemas de Armando Freitas Filho, de Lar, têm caráter autobiográfico. O livro nasceu de um sentimento de nostalgia, da vontade racional de uma auto-análise ou do impulso de fazer um balanço, de passar coisas a limpo? Por qu
Tres poemas de lar

Escrevo nas costas da mãe
conspurcada pelo amor
nas costas dos tios empertigados
pela indiferença e sarcasmo
na cara dos primos exemplares
reescrevo, corrijo, fazendo
pressão com o lápis rombudo
para marcar minha dissidência
na família programada, mas
sob os olhos sérios do pai
que me desencurva, e apoia
mesmo desconfiado
em palavra explícita para
não frisar demais sua intenção
seu ódio difuso que também
me atinge em forte trans
fusão, consigo, comigo mesmo
até alcançar a malvada consciência.

***
Mil folhas. Mesmo em algumas das mais
passadas, um pouco do sabor, um risco
de doçura e amargo, é remanescente.
Anamnésia construída pelo fato
e pela imaginação: vai do anátema
ao enaltecimento, expressos em alta voz
até ao murmúrio cifrado no coração.
O acervo de uma vida se dispersará
depois de ela parar: alguma coisa
aqui, nesta casa, para lembrar quem se foi
fica, sem roubo nem degradação, sobrando.
O resto, espalhado na desordem dos arquivos
dos sebos e brechós, nós defeitos
na mudança para lugar nenhum
perdido no limbo, reciclável em outro corpo
e destino, longe do clamor da hora
cada vez mais afastado do limiar original
da montagem do dia, à margem do relógio
rasgado por mãos alheias, posto fora
o sonho, que se açucara, perde o gosto, e fere.

***

Da casa dos três dígitos
não saio mais. Trinco.
Dia após dia de prisão
na cidade em carne viva.
Entre em si para sempre:
tendo de seu, apenas o bodum
ranzinza do corpo
que vai se resignando
a não perseguir o inominável
nem a se persignar.

Dar um duplo clik na frase abaixo para ver o documentário
Acerto de Contas com o tempo
Acerto de contas com o tempo
Postado por Luciano Trigo em 11 de julho de 2009 às 12:01

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